Ainda que Palácio de Verão não possa ser categoricamente classificado como um cult, existem elementos - comuns a certos trabalhos inseridos nas categorias sub-gênero "coming of age" e "road movie" - que têm a capacidade de criar uma atmosfera muito particular, instigando no telespectador o resgate de suas próprias memórias.
Assim é o filme escrito e dirigido pelo diretor da sexta geração do cinema chinês Lou Ye. Ele oferece um recorte sensível acerca do rito de passagem para a vida adulta de uma geração marcada tanto pela angústia, reflexo do ethos niilista da Guerra Fria, quanto pela profunda transformação vivida num dos momentos políticos mais conturbados da história da China recente, a Revolução Cultural iniciada por Mao Tsé-Tung em 1966.
Uma das primeiras medidas adotadas por Mao no início da revolução foi o fechamento das escolas e universidades, criando um hiato educacional de quatro anos que afetou dezenas de milhões de estudantes chineses. As consequências de tais medidas viriam a ser sentidas pela geração seguinte que, diferentemente de seus pais (que não puderam perseguir o caminho da educação), entravam no ambiente acadêmico renovados de idealismo e motivados pelo desejo de romper com os paradigmas da atual sociedade. Tudo isso amplificado, é claro, por uma boa dose de idealismo, rebeldia e excessos.
É neste contexto político-social que a história se inicia. Centrada na figura da caloura Yu Hong, acompanhamos as experiências e descobertas da jovem estudante e seus colegas num ciclo que compreende cerca de 15 anos. De natureza transgressora, a precoce Yu engata, logo de partida, romance com o intelectual Zhou, e ambos mergulham num relacionamento marcado por todos os clichês (e como não amá-los?) que definem o que é ser jovem, estar apaixonada e vivendo seu primeiro grande amor. Da completa entrega, idealização e obsessão, passando pela insegurança e culminando, finalmente, na alienação e rompimento.
Nem a onda de protestos dos estudantes no Movimento Democrático de 89 consegue quebrar a estética mais prosaica de amor adolescente. O que se observa (pelo menos na caracterização de Lou), são protestos de natureza benigna e cercados de paz e amor, como que lembrando em muito a atmosfera de um Woodstock americano.
A resposta violenta das autoridades do governo chinês, no entanto, dita o tom do evento que viria a ser denominado O Massacre da Praça Tiananmen, onde milhares de estudantes foram mortos e feridos em Pequim, em retaliação, num período que compreendeu 50 dias, de 15 de abril a 4 de junho de 1989. Tudo muda a partir daí, e Yu, traumatizada, se distancia de Zhou e seus amigos, entrando num ciclo de alienação ainda mais forte.
Tão importante quanto os acontecimentos históricos que servem de fio condutor para a evolução da história é a música. Ora etérea e sensível, ora romântica e exageradamente dramática, ela é executada com perfeição, acompanha o filme inteiro e ajuda a estabelecer o ar de melancolia e desilusão presentes na narrativa.