Uma teoria musical chinesa

Uma teoria musical chinesa

Por
Calebe Guerra
em
8/11/2022

Todas as modulações de som nascem na mente, mas nem todo mundo é capaz de organizar os diversos tipos de som e transformá-los em melodia. Até mesmo os animais conseguem distinguir diferentes tipos de entonações, o que eles não podem fazer é apreciar a ordenação desses sons diversos quando eles formam uma composição musical.

A música nasce da ordem.

Muitos sons juntos não são, necessariamente, uma composição musical. É justamente a ordem que faz com que eles “virem” uma composição musical.

Veja um exemplo:

Você deve estar pensando que é evidente que a diferença entre os animais e os seres humanos é justamente a capacidade de criar a arte e apreciá-la. Certo? Quase isso.

Para os chineses, saber apreciar a arte da música não divide o mundo entre animais e seres humanos, mas sim entre seres “de coração bagunçado” e seres “com o coração ordenado”.

Havia cinco “notas” musicais na China antiga, e cada uma delas representava uma coisa diferente:

1. Gong 宫 - a ordem do imperador;

2. Shang 商 - os diferentes ministérios;

3. Jiao 角  - o povo;

4. Zheng 徵 - as relações humanas;

5. Yu 羽 - a matéria.

A melodia boa e “satisfatória” era, então, criada a partir do equilíbrio de todas essas coisas. Não só das notas, mas do que elas representavam. Confúcio acreditava que uma boa música só era possível se existisse o equilíbrio entre essas cinco coisas. Se a ordem do imperador é justa, se os ministérios são efetivos, se o povo está protegido e assistido, se existe paz entre os seres humanos e se todos têm o necessário para viver.

Música, então, não é uma dádiva de todos os seres humanos. Música é uma técnica aperfeiçoada que só existe na sociedade que vive em harmonia em todos os campos e relações. O que existe com as notas e suas entonações sem a boa ordem das coisas é somente ruído. Pode até ser confundido com música, mas não é. É somente barulho organizado. Acreditava-se, inclusive, que a (má) qualidade das melodias de um estado ou país era evidência de que esse lugar estava caminhando rumo ao seu fim.


A partir disso tudo, o maior legado que as “cinco notas musicais” chinesas e seu simbolismo deixaram até os dias de hoje é a ideia de que uma pessoa só é capaz de apreciar música se todas as “notas” do seu interior estiverem em harmonia. E essas “notas” de cada ser humano são seus sentimentos.

Se algum sentimento do coração estiver desfocado, a pessoa já não terá o espírito certo para apreciar uma boa melodia. É preciso que o mundo ao seu redor e a sua própria vida estejam equilibrados e em ordem para que canções e melodias ressoem em você.

É preciso um coração em ordem para que a música tenha espaço.

Composições com boa técnica e arranjos sublimes não serão apreciadas por pessoas que estão extremamente ansiosas ou sofrendo com preocupações gritantes. É necessário harmonizar todos os sentimentos (os bons e os ruins também) dentro de si mesmo para que a arte da música seja criada, apreciada e compartilhada. E, já que nem a apreciação da música é possível por quem está com o coração desordenado, quanto mais a produção dela.

Nem todo mundo é capaz de simplesmente gostar de uma boa música, porque nem todos estão com seu coração “em ordem”. Ao mesmo tempo, um ajuntamento ordenado de notas musicais simples é possível que se desenvolva e cresça até virar música, mas é necessário um coração em ordem.

E isso é um caminho de mão dupla. Os chineses dizem que, se faltar calma a você, sentar para apreciar uma boa música ajuda a equilibrar os sentimentos desfocados do seu coração e trazer a tranquilidade de espírito que você precisa.

Faça o teste você mesmo. Quando seus ânimos estiverem desequilibrados, tente organizá-los com uma boa melodia. Pode ser que você encontre uma nova saída para sua ansiedade.